O editorial de Veja desta semana, do jornalista Eurípedes Alcântara, é um monumento do cinismo. Nele, o diretor da revista afirma: "Há indícios, mas não provas". No texto diz que "ao escândalo Siemens no Brasil faaltam evidências sólidas" e duz que "tanto quanto as autoridades, os repórteres de Veja as estão buscando" (pausa para gargalhadas). Antes dele, Merval Pereira havia lamentado a corrupção no PSDB e Reinaldo Azevedo afirmou que a teoria do domínio de fato não poderia ser aplicada a tucanos como Andrea Matarazzo. Essa cautela, evidentemente, jamais existiu em relação aos políticos adversários dessa mesma imprensa, que eram criminalizados ainda enquanto réus. O que demonstra que a ética se transformou, no Brasil, em instrumento de guerra política e comercial.
11 de agosto de 2013
247 - Nunca foi tão fácil enxergar o cinismo, a desfaçatez e a hipocrisia da imprensa brasileira. Bastou que um escândalo atingisse seus aliados políticos tradicionais para que essa postura viesso à tona. Do escândalo Siemens, emerge uma mídia que opera com dois sistemas métricos distintos: um para os amigos, outro para os adversários.De todas as peças produzidas até agora, a mais cara de pau é o editorial de Veja, assinado por Eurípedes Alcântara.
"Há indícios, mas não provas", diz o diretor de Veja.
No mundo da Editora Abril, os olhos estão fechados para os e-mails da Siemens e da Alstom que falam em licitações combinadas e até em propinas para os grão-tucanos como Robson Marinho, ex-secretário da Casa Civil, e Andrea Matarazzo, figura próxima a Mário Covas, José Serra e Fernando Henrique Cardoso.
No mundo de Veja não existem provas, apenas indícios, mas há três anos a imprensa noticiou o bloqueio de uma conta na Suiça atribuída a Robson Marinho, braço direito de Mário Covas, cujos recursos serriam provenientes da Alstom (AQUI). Documentos agora revelados - e ignorados por Veja - falam que a propina da Alsom cobriria RM (Robson Marinho), o partido (PSDB) e a Secretaria de Energia (ocupada à época por Matarazzo).
Como Eurípedes sabe que empresta sua pena a um argumento indefensável, ele praticamente dá um piti no seu editorial.
"A esta altura, porém, não há como esquecer que o PR, o PTB, o PMDB e, claro, o PT, acostumaram o Brasil a um padrão de escândalos tão abundantes em provas e com enredo tão ousado quanto primário que é impossível ser igualado. São dólares na cueca, mansão cheia de prostitutas em Brasília, Land Rover, jatinhos, governo paralelo montado em quartos de hotel, balcão de negócios dentro do Palácio do Planalto, filme de corrupto embolsando dinheiro, confissão, drama, condenação à prisão pelo STF - só não tem arrependimento."
O que ele não afirma é que o padrão do metrô supera toda a sua descrição. Mais sofisticados, os tucanos operaram com empresas internacionais, indicaram a elas que empresas deveria ser subcontratadas e, em alguns casos, como parece ser o de Robson Marinho, apontaram as contas no exterior que deveriam receber os recursos.
Diante das evidências, cai por terra o argumento de que a imprensa brasileira representa "os olhos e ouvidos da nação". Veja, por exemplo, é claramente caolha. Só enxerga o lado que interessa. Mas não está só. Antes dela, o colunista Merval Pereira lamentou a corrupção tucana e se apressou em inocentar o ex-governador José Serra (AQUI). Reinaldo Azevedo deu um chilique e afirmou que a teoria do domínio do fato, usado pela Polícia Federal para indiciar Andrea Matarazzo e pelo STF para condenar José Dirceu, não poderia ser aplicada ao político tucano (AQUI).
Ora, se a mesma cautela fosse aplicada aos adversários dessa mesma imprensa, o julgamento mais emblemárico dos últimos anos teria transcorrido de forma bem menos turbulenta. No entanto, se para os amigos as provas podem ser transformadas em indícios, para os adversários os indícios também podem ser convertidos em provas. Além disso, essa mesma imprensa que faz da ética o seu cavalo de batalha se julga no direito de colocar a faca no pescoço de juízes - como Veja faz nesta semana em relação a Ricardo Lewandowski (AQUI) - para defender seus interesses políticos que, na prática, são interesses comerciais.
Pobres dos juízes e procuradores que se deixam manipular por uma imprensa partidária, seletiva, autoritária e, agora, totalmente desmoralizada.
PS.: o editorial de Eurípedes termina com a piada do ano. "Ao escândalo Siemens faltam evidências sólidas. Tanto quanto as autoridades, os repórteres de Veja as estão buscando."
Podem rir à vontade.
N.L.: Quem costuma ler os blogs - a verdadeira imprensa livre e imparcial - já tinha conhecimento deste escândalo desde 2008.