“A VELHA MÍDIA, FORA DA REALIDADE
Chávez não era Chávez. A foto exibida no
último dia 24 de janeiro pelo “El País”, jornal conservador espanhol, havia
sido retirada de um vídeo médico de 2008, que mostrava um homem anônimo em
coma.
Uma rápida e simples checagem teria
revelado o erro grotesco e primário. No entanto, o “El País”, espécie de
sucursal ibérica do antichavismo, resolveu arriscar para ver se “colava”. Não
colou. Um internauta percebeu logo o erro e o jornal teve de retirar a foto e
pedir desculpas. Tirou a foto e imediatamente colocou em si mesmo uma grande e
vergonhosa “barriga”, nome que se dá, no jargão jornalístico, a erros desse
tipo.
O episódio não é um fato isolado, um
simples erro ocasional. Ao contrário. É emblemático de um tipo de jornalismo
que se tornou bastante comum, especialmente na América do Sul.
Na Venezuela, na Argentina, no Equador, no
Brasil e em outros países do subcontinente pratica-se, com inquietante
desenvoltura, um tipo de jornalismo que tem por hábito diário distorcer ou
mesmo falsear a realidade.
Os retratos pintados diuturnamente pela
mídia tradicional sobre a situação atual desses países apontam para um quadro
de caos, desagregação social e política e falta de rumo que encontram pouca ou
nenhuma correspondência com a realidade objetiva. Parecem “fotos” grosseiramente
retocadas por um photoshop concebido para enfear, ou mesmo simples
falsificações, tal como a imagem do suposto Chávez hospitalizado.
No Brasil, por exemplo, há uma década que
boa parte da mídia tradicional e oligopolizada divulga “fotos” e “retratos” das
supostas mazelas dos governos do PT, apresentados, quase que invariavelmente,
como absolutamente incompetentes, irremediavelmente corruptos, solertemente
antidemocráticos e francamente desastrosos.
Por aqui, a velha mídia também não se
cansa de lançar mão de barrigas homéricas. Basta lembrar a ficha falsa da
presidenta Dilma Rousseff, publicada pela “Folha de S.Paulo” em sua capa. Ou
então as inúmeras falsas denúncias veiculadas pela revista “Veja” ao longo dos
últimos anos, jamais comprovadas, entre elas a suposta conta de Lula no
exterior ou o dinheiro que teria sido remetido pelas Farc ao Partido dos
Trabalhadores.
Pelo que se divulga em boa parte dessa
mesma mídia, o país vive um processo acelerado de decadência desde 2003, quando
o governo liderado pelo PT substituiu o “competente”, “limpo” e “democrático”
governo de tintas paleoliberais, que havia colocado a nação no rumo “correto”
da “modernidade”.
Bem, seria fastidioso enumerar aqui os
claros êxitos dos recentes governos brasileiros. Basta fazer análise objetiva
dos principais indicadores socioeconômicos para se chegar à inevitável
conclusão de que o Brasil, nos últimos dez anos, mudou substancialmente para
melhor.
Estudo mundial do Boston Consulting Group,
divulgado há poucos meses e solenemente ignorado, coloca o Brasil como o país
que mais se destacou na qualidade recente de seu desenvolvimento.
Assim, se alguém quiser entender o que
aconteceu no Brasil na última década, não encontrará respostas fidedignas na
cobertura da imprensa conservadora. Terá de recorrer a blogs e sites
alternativos e a fontes estrangeiras, ou então fazer suas próprias pesquisas.
A imagem do Brasil recente construída por
parte expressiva da grande mídia tradicional está tão longe da realidade quanto
a foto do homem hospitalizado dista do autêntico Chávez. Na tentativa
incansável de “furar” os governos progressistas recentes, produz-se uma pletora
de “barrigas”, numa espécie de vale-tudo midiático.
Trata-se, portanto, de uma mídia-barriga,
que fábrica notícias distorcidas, enviesadas, exageradas e até mesmo falsas, de
forma sistemática. Uma mídia que convive melhor com figuras do submundo do que
com a verdade.
Esse distanciamento da realidade, que
beira a esquizofrenia, é preocupante. Porém, não é o único. Há também o claro
descolamento entre a opinião publicada e a opinião pública. A primeira dedica
ódio profundo ao PT e seus governos. Já a segunda consagra Lula e Dilma com
recordes de popularidade.
Não por acaso a mídia tradicional passou,
nos últimos anos, a questionar a legitimidade do voto popular. Com a candura
que lhe é peculiar, ressuscitou a “tese Pelé”, construída na ditadura, segundo
a qual o “povo não sabe votar”. Aqueles que votam com a situação o fazem por
que são manipulados e desinformados, escravos do Bolsa Família que não têm o
hábito de ler Veja e outros modernos bastões do Iluminismo. É um voto que, no
fundo, segundo essa concepção, não conta, ou não deveria contar.
Isso nos leva ao terceiro e mais
preocupante distanciamento ou descolamento. O distanciamento entre parte da
mídia conservadora e a democracia. Em tempos recentes, segmentos da nossa mídia
tradicional, honrando uma notável tradição, não se acanharam em aplaudir e
defender golpes militares ou “brancos” contra governos progressistas da América
Latina, como aconteceu na Venezuela, em Honduras e no Paraguai.
Autoridades eleitas e reeleitas, em
pleitos livres e lisos, são tratadas caricatamente como “ditadores”,
“caudilhos” e “populistas”, gentalha que ameaça a “democracia”. Provavelmente
uma “democracia” sem povo e sem voto, que assegura a independência das
instituições, desde que elas sejam conservadoras, e a alternância de poder,
desde que entre forças políticas da direita, como no pacto político de Punto
Fijo, que dominava, com o aplauso da mídia, a Venezuela pré-Chávez.
Obviamente, nada disso é novidade. A velha
mídia do Brasil e de outros países do subcontinente sempre foi muito
conservadora. No passado, apoiou ditaduras e esmerou-se na crítica a partidos
de esquerda e a movimentos sindicais e sociais a eles associados.
A novidade está em que parte dos países da
América do Sul é governada hoje por forças políticas que romperam, até certo
ponto, em maior ou menor grau, com a agenda neoliberal que levou os partidos de
direita e centro-direita da região à ruína política.
Surgiram ou chegaram ao poder novas forças
políticas. De repente, essa mídia, acostumada com o oligopólio político de uma
pequena elite, secundada pelos setores conservadores da classe média, viu seu
poder de influência decrescer consideravelmente.
Nessa nova conjuntura, a velha mídia
revela a sua verdadeira e feroz face: a de um partido de oposição que não mede
esforços para recuperar a sua antiga hegemonia e que não tem pudor em atropelar
a verdade e as normas básicas do bom jornalismo, colocando em risco a
democracia que diz tanto defender.
Entretanto, essa mídia ainda detém firme
monopólio da produção e difusão da informação. A internet, por certo, cria
circuitos alternativos de debate democrático. Porém, é ilusão pensar que ela,
por si só, é capaz de quebrar o monopólio da informação. Na realidade, esse
monopólio é também reproduzido no mundo online. A informação destoante ainda é
francamente minoritária e escassa.
O Brasil precisa de uma mídia mais aberta,
profissional, democrática e, sobretudo, plural, como recomenda, aliás, o
relatório intitulado “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia
europeia”, elaborado recentemente, no âmbito da União Europeia. E seu governo
precisa, sim, de críticas consistentes e fundamentadas, e não da atual
cachoeira de panfletos histéricos, denúncias vazias, textos mal apurados e mal
escritos.
Isso demandaria, obviamente, que se
iniciasse um debate amplo, franco e livre sobre a extrema concentração da
propriedade dos meios de informação no país. Mas esse é, ao menos por enquanto,
um tema tabu, interditado pela mídia conservadora, que alega que tal debate
representaria uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia.
Uma alegação tão falsa quanto a foto do
Chávez no El País.”
Por Marcelo
Zero e Doutor
Rosinha, especial para o blog Viomundo.